Arquivo diário: 12 de julho de 2017


MEIAS-MENTIRAS 1

Uma das marcantes características dos psicopatas é a capacidade inigualável de mentir.

Todos nós pregamos mentiras, mas sempre temos algum objetivo específico.

Quando crianças, mentimos para evitar um castigo, para evitar magoar a mãe, por medo de sermos rejeitados diante de uma ação que consideramos má. Pequenos delitos dos quais nos envergonhamos geram pequenas mentiras.

Costumamos mentir para nós mesmos quando não queremos admitir um fato sobre nós que não nos parece adequado. Então montamos uma autoimagem omitindo esse aspecto. Mentimos quando um ente querido está morrendo e queremos nos convencer de que ele vai ficar bom, tentando evitar a inevitável dor da separação definitiva. Mentimos para a criança sobre um fato que ela ainda está incapaz de digerir.

Cada um de nós tem sua lista.

A cada situação se vincula um sentimento: medo, proteção, ilusão, rejeição, vergonha, dor.

Quando dizemos uma mentira que poderia ter sido evitada, sentimos arrependimento, e o impulso premente de reparar o erro. Quando percebemos que a mentira pregada prejudicou alguém, o remorso dói, e procuramos compensar o prejuízo. Uma pessoa normal não consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz se sua consciência pesa.

No processo de amadurecimento vamos desenvolvendo nosso senso moral que não permite deslizes e, quando estes acontecem, sentimos uma necessidade premente de consertar as coisas. Um ser humano livre, portanto responsável, respeitoso e amoroso é um ser humano moral.

Os psicopatas são criaturas para quem mentir é uma diversão, um jogo, um espetáculo fascinante, um recurso de lhes gerar adrenalina. Eles mentem até quando a verdade poderia lhes ser mais vantajosa pelo simples prazer de mentir. Não têm arrependimento, responsabilidade, vergonha, solidariedade. Manejam os fatos de acordo com os seus interesses jamais se importando se estão sintonizados com a verdade. Peso na consciência é algo desconhecido para eles, afinal esse tipo de consciência lhes é inexistente.

Usam e abusam das meias-verdades, justamente para passar a impressão de verdade de algo que afinal das contas é meia-mentira. O primeiro pedaço verdadeiro arrasta atrás de si o falso, e o ingênuo alvo do psicopata não percebe essa engenhosa arrumação, engolindo tudo como verdade.

Uma declaração como: “Sempre pautei minhas atitudes na ética e na verdade” dita de forma enfática e aparentemente sem qualquer sombra de hesitação costumamos tomar como verdadeira, pois não dá para conceber que alguém possa mentir de forma tão descarada. Mas a falta de hesitação provém não de um coração puro e sim da ausência de escrúpulos.

Ética e verdade quando apenas declaradas, sem lastro na atitude, valem alguma coisa?

Ao ouvir a nossa intuição, percebemos a falsidade. O coração verdadeiro sabe. Mas é preciso desanuviar a intuição que foi sendo embotada com manobras bem arquitetadas pelo psicopata.

Um psicopata obriga suas vítimas a constantemente ter que provar a verdade e esse enredamento as faz duvidar de si mesmas. As distorções que ele opera nas mínimas coisas provocam um redemoinho de incertezas na mente de quem preza a verdade. “Eu nunca traí você. Como você pode duvidar de mim?” e você repassa alucinadamente na sua memória todas as provas da traição e começa a duvidar de sua capacidade de discernimento. Ele insiste que você está tendo alucinações por causa de sua carência doentia ou de seu ciúme exacerbado, com o exato propósito de desestabilizar você. Ele pegou emprestado de você um monte de dinheiro com promessas de devolver com juros acima do mercado. No entanto, cobra você por uma dívida ínfima em comparação com tudo que lhe deve, declarando que não deve mais por conta de todos os prejuízos que você lhe causou.

Essa desestabilização faz parte do programa de gradativa destruição de sua vítima.

Além disso, tem ainda a mentira na forma de injúria e difamação. Afinal, ele precisa fazer essa campanha para inverter a situação, ele passando a vítima e a verdadeira vítima – você – transformada em agressor.

A culpa de tudo é sua. Se o relacionamento não deu certo, foi você que não soube mantê-lo. Se os filhos são uns pobres coitados, inseguros, medíocres, foi você que não conseguiu ser boa mãe. Ele, ora, estava trabalhando duro para manter a família, ele, exímio pai que sempre ajudou a cuidar das fraldas e mamadeiras. Você não sabe ser boa mãe, por isso o seu filho é um indisciplinado e revoltado. Não é ele, o pai, que causa isso com sua falta de dedicação e de respeito e principalmente de amor. Pois as crianças sentem quando são amadas. E o psicopata finge que ama, não ama.

Até você se restabelecer e começar a separar o joio do trigo demora, às vezes demora um bom tempo. Mas é preciso iniciar essa viagem, e um dia você acaba atravessando o inferno e saindo para a luz.

Júlia Bárány

“Meia verdade é sempre uma mentira inteira” provérbio chinês