Arquivo mensal: agosto de 2017


CURANDO A FERIDA DO ABANDONO 2

A ferida do abandono é pouco considerada na área da saúde mental. Assim como o trauma complexo não tem classificação no DSM e, portanto não pode ser diagnosticado, a ferida do abandono não está lá como causa de algumas doenças mentais que existem.

O abuso narcisista causa, entre outros males, a ferida do abandono. Abuso não acontece apenas em decorrência de violência física, verbal ou sexual. Muitas vítimas de abuso nem sofreram com alguém gritando com elas. Simplesmente foram negligenciadas e ignoradas.

O abandono emocional acontece quando alguém importante para você o descarta, ignora, desvaloriza ou nem reconhece. Este tipo de lesão invisível causa muito estrago no receptor. Nesse caso a palavra “receptor” é irônica, pois o receptor não recebe nada, e este é o fulcro do problema. Esse nada perfura fundo o coração do alvo. Ninguém vê isso, esse abuso fica escondido, e a vítima se sente vazia e invisível.

As vítimas de abuso declarado muitas vezes desejam exatamente isso: ficar invisíveis e se esconder. Porém, é um equívoco acreditar que ser invisível para um ente querido ou mesmo para alguém que não nos é importante seja algo bom. Temos a necessidade básica de nos sentirmos importantes para os outros.

Sentir-se invisível para quem se ama é uma ferida existencial. Além de sentir que você não importa para o outro, você se questiona se tem direito de existir. Pesquisas mostram que uma das maneiras básicas de lesar uma pessoa é retirá-la do contato humano, especialmente da comunicação com outro ser humano.

Uma das formas de abuso narcisista envolve o controle da comunicação. Isso acontece por meio de conversas enlouquecedoras, isolamento, salada de palavras, evitar tocar num assunto importante para o outro, esquivar-se de resolver conflitos, ignorar, não ouvir, e assim por diante.

Uma das armas que os narcisistas e outros abusadores emocionais usam é o silêncio, que causa profundo sentimento de abandono no receptor. A repetição constante do tratamento de silêncio acaba levando algumas vítimas às drogas, anti-depressivos/ansiolíticos, ou mesmo tentativas de suicídio, para fugir do terrível vazio.

A ferida do abandono pode ser causada também por progenitores negligentes ou ausentes. Não é fácil você explicar para si mesmo o porque desse abandono. Você pode achar que não merecia mesmo, que não vale nada, fica com raiva, ou tenta dar a volta por cima, ignora o progenitor ausente, mas a ferida ainda está lá, e as consequências existem para o resto da vida. O abandono leva a diversos mecanismos de defesa.

Para se curar de qualquer tipo de perda, a solução principal é vivenciar o luto. Se você foi abandonado, temporariamente ou permanentemente, então você está ferido.

Você pode tentar o seguinte:

  1. Escreva uma carta para quem o abandonou, conte o que sente, mas não entregue essa carta para a pessoa. Você a escreve para processar seus sentimentos.
  2. Escreva uma carta para os seus sentimentos de anseio, de saudade, de tristeza, de desespero. Verifique onde no seu corpo estão esses sentimentos. Você até pode fazer um desenho. Fique um tempo sentindo seus sentimentos.
  3. Deixe-se sentir. Entre nos seus sentimentos e os sinta profundamente, passe pela experiência do luto. Isso acelera o processo de cura.

Depois, faça uma imagem de você mesmo curado. Imagine a parte de você que se compadece de você mesmo. Ela é o seu salvador, pois dentro de você há amor, tempo, empatia, esperança e incentivo.

Identifique seus mecanismos de defesa: com o que você está tentando compensar o vazio do abandono? Com comida? Sexo? Vício em trabalho? Diversão desenfreada? Remédios? Depressão? Ansiedade? Doenças?

No final das contas, você descobre que tem uma vida para viver, apesar de qualquer ferida que sofreu. Você descobre que poderá encontrar esperança, amor e uma boa vida com propósito. Você precisa validar seus sentimentos, reconhecer a perda, e recomeçar.

por Júlia Bárány

Tradução livre do texto de Shari Stines, Psy.D. Original em https://pro.psychcentral.com/recovery-expert/2017/08/healing-the-abandonment-wound/?utm_source=Psych+Central+Professional&utm_campaign=e0ce6fac70-PRO_B_EMAIL_CAMPAIGN&utm_medium=email&utm_term=0_7ef5d0b4f0-e0ce6fac70-30460681

 


DEPRESSÃO

As perguntas o que estou fazendo aqui, quem eu sou, para onde vou, teimam em nos cutucar cada vez mais nos dias de hoje. Enquanto preenchemos nossos dias e nossas horas com mil ocupações em ritmo frenético, parece que essas perguntas se encolhem. Mas basta uma brecha, lá vem elas novamente bater à porta da nossa consciência.

A busca das respostas leva às síndromes modernas, todas relacionadas à nossa alma.

Ansiedade é a alma não se apossar totalmente do sistema metabólico e com isso focalizar excessivamente o futuro. Companheiro inseparável é o medo. Que será que vai acontecer? Será que vou dar conta? Será que serei aceito? Será? Será? Será?

O sofrimento acontece por antecipação. A pessoa se pre-ocupa, ocupa-se antes de se ocupar com o fato de fato, criando com isso um problema inchado.

Localizada no baixo ventre, a digestão fica comprometida, temos sudorese, palpitação, insônia, respiração ofegante, falta de ar.

Ansiedade tem a ver com a troca que fazemos com o ambiente por meio do ar. Este entra pouco e sai pouco, por isso não é à toa que nossas avós diziam: respira fundo e vai em frente.

Ansiedade intensificada leva à angústia e mais ainda, à agonia, batendo às portas do final, da morte, ao fim da respiração.

Uma palavra nas origens de ansiedade é ankh, a cruz ansata egípcia, símbolo do sopro da vida.

Quando a ansiedade não se resolve, chama a agressividade, que vem do mesmo lugar, do metabolismo, acordando em nós os impulsos instintivos de agredir. Não conseguindo aplacar o nosso medo, projetamo-lo para fora, para os outros.

Pânico fica preso no presente. Sem perspectiva do antes e do depois, o medo é levado a tal grau que paralisa. Localizado no sistema neurossensorial, com sede na cabeça, gera a incapacidade de agir. Inspiramos demais e expiramos de menos.

Depressão é a alma não se apossar completamente do sistema rítmico, da respiração e do coração. Localizada no peito, a região mediana do corpo, temos a sensação de um elefante sentado nele, e nos prendendo ao passado.

Culpa, remorso, autoestima baixa, incapacidade de sair da prisão e agir, mexe com os nossos valores, valores de nós mesmos. Perdemos assim a esperança. Depressão é tristeza sem fim. É inspirar de menos e expirar demais.

Inapetência ou gula desmesurada, na tentativa de preencher o vazio com comida, mexe com a energia e o peso. Quando a depressão se intensifica, leva à autoagressão, ao autoaniquilamento.

Depressão pode vir após estresse prolongado, uma doença difícil, uma situação de vida que parece não ter saída, um abuso, breve ou continuado, um trauma não resolvido.

Depressão mata, por isso é extremamente importante que as pessoas ao redor do deprimido se mobilizem para ajudar a tirá-lo desse poço. Depressão mata não porque seja ela própria uma doença fatal, mas porque ela leva ao esgotamento total da esperança, ao desespero. Daí o corpo adoece com câncer e outros males.

Vemos depressão em crianças que resulta do estilo de vida sedentário e sem motivações das crianças metidas em apartamentos, sem contato com a natureza, sem espaço para correr, brincar, subir em árvores, mexer na terra, explorar o mundo. Criança metida no mundo virtual bidimensional vai definhando. Sua capacidade de raciocínio é limitada porque o raciocínio nasce da exploração do espaço e da manipulação dos objetos nesse espaço, na observação de como as coisas funcionam, para depois ir adentrando a abstração.

A depressão também resulta da falta de contato com outras pessoas, contato verdadeiro, vivo, presencial. Falar com alguém por meios eletrônicos é uma ilusão de contato, não é contato real. Somos criaturas essencialmente sociais, e quando ficamos isolados, perdemos a noção da teia da qual fazemos parte, queiramos ou não, saibamos ou não.

Depressão se instala quando perdemos de vista os nossos objetivos, os nossos ideais. Quando perdemos de vista a dimensão maior da vida, a espiritualidade. Não há pelo que lutar, pelo que se esforçar. Desistimos e deprimimos.

 

As três, doenças da alma da nossa época, se forem tratadas só com remédios, não se resolvem. Porque a alma clama por uma mudança de vida, de perspectiva, clama por encontrarmos as respostas às perguntas que mesmo que não as tenhamos conscientes, nos cutucam o tempo todo.

É preciso de um processo terapêutico para que encontremos o rumo e o significado de nossa vida.

Se tomarmos muito remédio, que é necessário emergencialmente, abafamos, anestesiamos a capacidade de processar de forma consciente os medos e as perguntas, atividade mesma de cura. Os remédios nos dão a ilusória sensação de que “está tudo bem” quando sob a superfície não está tudo bem.

Todas as doenças começam na alma, então é lá que a cura precisa alcançar.

Recomeçar a vida, renovando por dentro, para que esta renovação se manifeste fora, e reconquistemos um lugar bom para todos vivermos.

Júlia Bárány


É POSSÍVEL AMAR DE NOVO DEPOIS DE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO? 2

Por Júlia Bárány

 

Meus clientes me perguntam: É possível amar de novo depois deste relacionamento abusivo que me fez sofrer tanto e ainda faz?

Respondo com um grande SIM!!!

Mas há requisitos para que isso aconteça, para que você não caia de novo na armadilha de um predador.

Porque o predador que se aproximou de você sentiu o cheiro de suas vulnerabilidades, estudou-as detalhadamente para dar o bote dele sem o risco de falhar. Você pode ter passado recentemente por uma perda grande, por uma crise difícil, uma doença, um trauma ou sofria de solidão e estava fragilizada. Todo ser humano fica fragilizado por certos acontecimentos em sua vida. Fica fragilizado também por algum trauma do passado ou por alguma experiência na infância que ditou um comportamento de vulnerabilidade, como querer agradar os outros a qualquer custo, ser o menino ou a menina boazinha que não se defende, tirar as melhores notas na escola a custo de esforço enorme só para provar o seu valor. Todos nós temos nossos pontos fracos, isso é característica de seres humanos que somos. O que não é humano é se aproveitar desses pontos fracos para seduzir, explorar, manipular e destruir alguém. E é exatamente isso que os predadores fazem.

Um relacionamento abusivo desse porte causou um terrível dano na alma. É uma traição profunda e destruidora de valores, de confiança, de alegria, de esperança. Você foi sugado/a de todas as suas forças, sejam emocionais, psicológicas, físicas, financeiras, relacionais. Você foi traído/a na sua dedicação amorosa a uma pessoa que não merecia nem um pingo do seu amor, e se aproveitou do começo ao fim de você.

A dor é tamanha que não há espaço para outro sentimento algum. As situações absurdas e contraditórias, entremeadas de tortura psicológica, causaram danos na estrutura emocional da vítima. A recuperação parece impossível. É como um veneno que se infiltrou por todas as células do seu corpo.

Como sair disso?

Como estar pronto/a para amar de novo?

 

O único jeito de sair da dor é atravessá-la.

Dói. Ao descobrir que seu relacionamento todo foi uma miragem, que quem amou foi só você, o outro fingiu.

Você está cheio/a de desilusão, desespero, raiva e fúria. Você quer se vingar de toda essa dor causada por um ser que não é o que se apresentou a você para seduzir você. Esses sentimentos são mais que legítimos.

Você procura o médico para lhe receitar qualquer coisa que faça parar essa dor.

No entanto, não se anestesie, pelo menos num segundo momento, quando já tiver capacidade de sentir dor, permita-se sentir essa dor, vá fundo nela, chore o que for necessário, passe pelo luto.

Só assim a dor poderá ir embora. Poderá demorar mais para uns, menos para outros, mas acaba indo embora.

Você precisa deixar ir essas emoções tóxicas, para começar a ter espaço dentro de você para emoções boas. É preciso fazer uma faxina interna e jogar todo o lixo fora.

É preciso recuperar o seu coração. Ele está lá, mesmo que agora você ache que ele morreu.

 

Aprenda que todos esses sentimentos não são seus. Foram fabricados pelo abusador. Talvez você já tenha sofrido traição e essa traição atual entrou de carona na outra. Você estava vulnerável a traições. Então, seja compreensivo/a consigo mesmo/a, você não sabia quão fundo foi a ferida. Vá cuidando dela aos poucos, até cicatrizar. Não dá para esquecer a ferida, mas dá para conviver com ela a ponto de ela não afetar você mais. É por isso que cortar qualquer contato com o abusador é tão importante. Senão a ferida vai ser reaberta toda vez.

Aprenda a confiar na sua intuição. Agora que você já sabe como funcionam os predadores, esteja atento/a aos sinais, e não os desconsidere. Com certeza nesse relacionamento você percebeu os sinais e não deu atenção. No caminho da recuperação é importante a voltar a confiar em você mesmo/a.

Sua intuição irá avisá-lo/a se aparecer outro predador no horizonte.

Quanto mais faxina interior você fizer, melhor vai funcionar sua intuição. Você acabará distinguindo muito bem o que está certo e o que está errado, quem é sincero e quem não é. Então, só então, será a hora de abrir seu coração novamente.

 


ESTADO EMOCIONAL/PSICOLÓGICO DA VÍTIMA DE ABUSADOR EMOCIONAL

Você chega ao consultório como uma vítima de sequestro e de estupro.

A diferença é que o sequestro que você sofreu pode ter levado anos, sua vida inteira foi sequestrada, sua alma, seu coração, sua profissão, sua família, suas finanças.

O estupro não foi uma vez só, mas inúmeras vezes, e você só descobre isso quando constata com horror que jamais houve amor da outra parte, apenas uma estratégia de manipulação para obter de você o que o outro queria. Jamais houve honestidade, nem bondade, nem comprometimento.

Você foi traída no fundo do seu ser, naquilo que é mais caro, mais íntimo e mais vulnerável.

Ninguém acredita em você, nem você mesma. Até culpam você por ter caído nessa armadilha. Afinal, você, uma pessoa inteligente, sensível, ativa, como foi possível ser tão boba? Você também se culpa. Com certeza você fez algo de errado.

Criticar você por ter caído nessa armadilha é o mesmo que castigar alguém que caiu fora do barco no mar gelado e mal consegue se debater para ficar à tona.

Você nem sabe mais quem você é. Não sabe o que de fato aconteceu, pois nada faz sentido. Seus pensamentos e suas emoções estão num emaranhado incompreensível, ilógico e deprimente. Você se sente mentalmente desequilibrada, beirando à loucura.

Entra num círculo vicioso de raciocínios buscando sequências de causa e efeito, mas não encontra lógica alguma e não chega a lugar algum. Seus pensamentos circulam como insetos ao redor de um monte de lixo. Você entra no inútil raciocínio “e se”.  E a dor lancinante no coração grita mais alto do que qualquer outro grito possível, abafando os últimos laivos de equilíbrio.

A lembrança daquele sorrisinho dele de prazer, de divertimento, velado e ao mesmo tempo intencionalmente aparente é de gelar o sangue nas veias. Sorrisinho meio escondido de prazer enquanto você rasgava seu peito, chorava, se descabelava, tentando desesperadamente uma saída.

Nas fases do luto definidas por Elisabeth Kubler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação –, por vezes você volta à fase de negação dos fatos. Nem encosta na fase da aceitação ainda, muito menos na compreensão. Por vezes fantasia a volta para o estado anterior em que você era paparicada e “amada” pelo psicopata, e se sentia a rainha do mundo. É um orbitar obsessivo em torno do psicopata, uma obsessão que ele metodicamente criou em você.

Todos os seus valores viraram do avesso, seus amigos distantes, sua família afastada. Você perdeu sua posição profissional, nem consegue mais funcionar.

Nas tentativas de agradá-lo, para reconquistar a fase paradisíaca inicial, foi sacrificando tudo. Mas de nada adiantou, só piorou.

Pode apresentar síndrome de pânico, agorafobia, insegurança, instabilidade emocional, incapacidade de gerir sua própria vida, depressão, angústia, ansiedade, medo. O ciúme devora você porque você assiste à glória da felicidade perfeita da criatura com a pessoa que sucedeu você. Você é que não presta. Detalhes da sua vida, sua intimidade, são expostos a público e os dois zombam de você.

É preciso repetir: VOCÊ NÃO FEZ NADA DE ERRADO!

Que tipo de criatura se aproveita do amor, da bondade, do voto de confiança, da dedicação que o outro lhe dá só para sugar mais, tirar mais vantagem e depois destruir? E, ainda por cima, ter prazer em destruir?

Você precisa URGENTEMENTE de ajuda, um bom terapeuta que saiba pelo que você está passando e, acima de tudo, que saiba como ajudar. Vale qualquer recurso que a ajude a começar a por ordem na sua alma devastada. Pois você precisa falar, falar, falar, nem que seja milhares de vezes a mesma coisa, até botar para fora essa loucura toda, até se desintoxicar do veneno que se infiltrou em suas veias, até começar a ter espaço para respirar outra vez.

DESESPERO = SOFRIMENTO – (menos) SENTIDO esta é a definição de Victor Frankl, sobrevivente de campos de concentração, médico, psiquiatra, criador da Logoterapia, autor de O homem em busca do sentido da vida.
A vítima de psicopata perde o sentido de tudo, inclusive de si mesma. Seu sofrimento não tem sentido. Daí o desespero abissal.

Você perdeu as suas barreiras protetoras. Você foi traída e violentada e assim construiu um muro ao redor de seu coração. Você nem sabe se tem um coração ainda.

VOCÊ NÃO FEZ NADA DE ERRADO!

VOCÊ NÃO ESTÁ LOUCA!

(trecho do Manual de Sobrevivência para vítimas de psicopata, de Júlia Bárány, a ser lançado em breve)