Arquivo mensal: setembro de 2017


A FUNÇÃO DA DOR

Na minha prática terapêutica, o que busco não é alívio da dor, embora no primeiro momento o alívio seja urgente, pois a pessoa está mergulhada no sofrimento e não consegue viver. As vítimas de psicopata passam por um sofrimento atroz porque em primeiro lugar esse sofrimento não faz sentido. Não há nada que a vítima tenha feito que justifique o abuso sofrido. Em todos os casos que atendi até hoje, o que aconteceu foi exatamente o contrário: a vítima se dedicou, amou, se doou, não só de si, mas de tudo que possuía. E mesmo assim, ela chega ao meu consultório se sentindo culpada, porque é isso que o abusador a fez acreditar. Essa é uma característica recorrente nessas vítimas.

A vítima foi manipulada, torturada psicologicamente, entre outras técnicas com dissonância cognitiva, uma técnica cruel e eficiente de convencer a pessoa de que ela não viu o que viu nem ouviu o que ouviu. A pessoa passa a não confiar mais no próprio discernimento. Quando se trata de relacionamento familiar ou íntimo, a vítima está vulnerável e incapaz de se defender, pois não tem como esperar ser atacada dentro do próprio lar por pessoa de sua intimidade, como pai, mãe, irmão, esposo ou esposa, filho ou um outro parente. Quando se trata de relacionamento profissional, de funcionário e chefe, ou de colega de trabalho, ainda há vínculos e poder envolvidos, que intimidam, restringem ou paralisam a vítima, a ponto de ela não poder reagir.

A teia de mentiras e meias-verdades, manipulações, campanha de difamação e de enlouquecimento, afastamento de todo o sistema de suporte, provocação de discórdia colocando as pessoas umas contra as outras dentro de uma mesma casa são técnicas que vão destruindo a pessoa a ponto de muitas vezes ela beirar o suicídio.

Então, após um primeiro momento de aliviar a dor para torná-la manejável, o que faço é ajudar a pessoa a atravessar o inferno.

Em primeiro lugar, essa dor precisa ser validada! É preciso dar um sentido para esta dor. Digo aos meus pacientes que eles só não sentiriam dor se fossem de pedra. Que é legítimo sentir essa dor, essa raiva. É mais do que legítimo querer vingança. No entanto, procuro mostrar que vingança só vai envenenar a própria pessoa. Procuro ajudar a pessoa a por para fora a raiva, a mágoa, a revolta, a dor.

A compreensão do abuso e do abusador é um segundo passo. Frases como: “Como a minha própria mãe foi capaz de fazer isso comigo?” começam a fazer sentido quando eu explico o que é um psicopata e como ele age, e para que ele age assim. Pois todos eles seguem um script…

Um terceiro passo é elaborar um esquema para cessar a fonte do sofrimento, aprendendo a lidar com a situação ou saindo fora dela.

Em seguida, levá-la a se sagrar vencedora não de algo externo, mas vencedora de si mesma, num processo de morte para o que não serve mais e renascimento para uma nova vida.

A dor é o coadjuvante no processo de metamorfose, como a lagarta que entra no casulo para sair dele um dia borboleta. A dor nos abre os olhos para dentro e para fora de nós. A dor nos faz resgatar a nossa força, a nossa essência, a nossa verdade.

“É a dor que regula a nossa consciência e impede que absorvamos de uma só vez um excesso de impressões do nosso meio ambiente”, o que traria prejuízo aos nossos órgãos dos sentidos. Para o Dr. Douglas Baker, autor de Anatomia Esotérica, a dor funciona como um órgão do sentido, o mais primitivo, anterior ao olfato, paladar, visão. A dor é responsável pela nossa sobrevivência.

Mais adiante, o autor diz: “Assim como o enjoo do mar intensifica o sentido da visão, a dor nos afina com uma gama mais ampla e sensível de impulsos.”

Ao abordar a dor emocional, mental, o autor a relaciona com o grau de consciência espiritual e a decorrente responsabilidade que a pessoa sente por si mesma e pelos outros.

“A dor é uma das serpentes que se entrelaçam ao redor do caduceu… a outra é a alegria. A dor e a alegria levadas ao clímax são o sofrimento e o êxtase. Quando as duas se harmonizam no êxtase doloroso, estão ligadas aos testes da iniciação.”

Pois é na transcendência do prazer e da dor que o objetivo é alcançado.

“Aprendemos com a dor dos nossos erros”. Essa dor não deve ser evitada. Ela nos ensina. Ela é bem-vinda quando reconhecemos essa sua função.

A dor das doenças é um agente cármico, portanto, libertador. A doença nos ensina a cuidar de nosso corpo, da nossa alma, e quando superada, nos fortalece. Mesmo nas dores crônicas, aprendemos. Há a dor cármica mais abrangente, como a dor da humanidade assumida por alguns para a redenção.

“Assim como a dor dilata as pupilas dos olhos, permitindo maior entrada de luz, a dor planetária, suportada pelos poucos que são capazes de compartilhá-la a qualquer momento, irá permitir um influxo maior da luz divina ou consciência.”

O autor pontua o laço de amor que se constrói entre dois seres quando um se compadece com a dor do outro. Esse é o laço que vou construindo com os meus partilhantes/sobreviventes. Sem esse laço, o que eu fizer não terá efeito algum.

A dor é o impulso mais forte do ser para a metamorfose.

Por fim, o autor aborda a dor da consciência. Esta só acomete aqueles que a possuem. Portanto, seres humanos, não psicopatas.

 

Depois desse processo, vejo como as pessoas se iluminam, como elas passam a ser mais amorosas, compreensivas, vibrantes com a vida, e um dia, quem sabe, consigam agradecer o horror que viveram.

Elas terão adquirido a consciência e com ela a liberdade por meio do conhecimento do bem e do mal. O fruto da árvore do paraíso terá cumprido sua tarefa.

Poderemos então colher o fruto da segunda árvore, a do conhecimento da vida, porque para colhê-lo, teremos que ter aprendido a amar. Amar inclusive os nossos inimigos, amar o abusador. Essa tarefa é para super-humanos. Um dia chegaremos lá.

 

Júlia Bárány


O QUE FAZ O NARCISISTA FELIZ?

O que mais faz o narcisista feliz é nunca ter que dizer adeus à sua fonte de suprimento narcisista… você ainda fornece oxigênio ao narcisista?

Uma mulher já está há cerca 20 anos depois do divórcio, com uma vida razoavelmente feliz, somente perturbada pelas reuniões de família, nas quais a dor do passado entra correndo e a empurra de volta àqueles tempos.

Ela relata:

Uma das enormes dificuldades é que, como meus filhos não viram o pai me maltratar, eles não conseguem entender PORQUE eu não quero estar com ele no mesmo ambiente. Até parece que eu é que sou a parte cruel na história!

Eles me dizem para ‘esquecer, virar a página!’. Compartilhei com eles algumas coisas tentando fazer com que entendessem, mas eles não querem ouvir nada negativo sobre o pai e acham que são problemas particulares entre nós. E, porque eu sou uma pessoa empática, AINDA quero que meus filhos tenham uma boa imagem do pai deles!!. Não vejo solução para este dilema a não ser ficar em casa e deixar de ir nessas reuniões da família. Mas isso também não me agrada.

Christine responde:

O que mais faz o narcisista feliz é nunca ter que dizer adeus à sua fonte de suprimento narcisista. O marido citado acima está já com sua terceira esposa, e ainda a primeira esposa gasta muita energia pensando nele, se incomodando e tentando evitá-lo. Isso deve lhe causar felicidade, especialmente por ele ter uma audiência que assiste à angústia da ex-mulher. Essa situação é muito frequente, especialmente quando há filhos envolvidos.

A perspectiva de encontrar-se novamente com o narcisista abusivo mesmo depois de muitos anos decorridos causa ansiedade, inevitavelmente, pois é evocada a dissonância cognitiva que o abusador utilizou abundantemente para torturar psicologicamente sua vítima. Dissonância cognitiva agora é: “Vou? Não vou?”. A mãe não quer decepcionar principalmente os filhos. Não quer ofender o anfitrião. Mas também não quer dar ao abusador a satisfação de ter ganho mais uma parada se ela não for.

Emaranhamento é o jogo final do abusador, e depois da fase do descarte, o narcisista tem outras técnicas para manter você enroscada nele. Embora você não tenha percebido, uma vez que você permitiu que ele entrasse na sua vida, você assinou sem saber um contrato psicológico que amarrou você a ele pelo resto da vida. Assim, sempre que o narcisista precisa de suprimento vai usar a “manobra aspirador” para sugar você de volta na vida dele para ele se divertir. Conseguir sua atenção mantem o jogo funcionando, e não importa se a atenção é positiva ou negativa. As duas servem muito bem ao narcisista patológico.

As vítimas cometem o erro de pensar que quando o narcisista faz isso ele quer é você de volta na vida dele. Mas o que ele quer mesmo é sugar mais oxigênio de você, e descobrir o que você anda fazendo, pois informação dá poder ao narcisista. Uma vez satisfeita a curiosidade dele, ele a deixa em paz por um tempo.

A sua reação à “manobra aspirador” é uma recompensa ao narcisista. Por exemplo, se você tratá-lo bem, ele vai querer essa atenção de novo. Se você o destratar, ele vai querer se vingar e obter a sensação prazerosa de humilhar você de novo.

Se você, a vítima, continua sozinha, ele vai se aproveitar disso, convencido de que você ainda o ama. Então ele vai desfilar com sua nova conquista para tirar mais uma lasquinha de você. Ele quer fazer você acreditar novamente que você foi a errada, e se não o fosse, ainda poderia estar feliz com ele. Os outros não vão perceber a jogada de gato e rato que ele faz, e só verão como ele está sendo amistoso e gentil com você.

Mesmo que você não demonstre seus sentimentos nessa situação toda, os outros vão achar que é você a problemática e a culpada, uma pessoa difícil, no mínimo. Eles até vão atribuir a você ciúmes por ver o seu ex feliz com a outra. Jamais perceberão o jogo sutil por trás dessa história. E enquanto isso, o abusador se mostra surpreso ou constrangido com o seu comportamento. Essa é outra maneira de manipular os outros para que o defendam, a ele não a você! E os outros se afastam de você ou até deixam transparecer que você não é benvinda às reuniões familiares.

Você indo ou não à reunião, o seu ex terá prazer sabendo como você se sente mal com a rejeição dos outros… isso lhe dá o oxigênio que ele tanto anseia. Ele sai cheirando a perfume de rosas enquanto a vítima é rejeitada pela “manobra do aspirador”.

O mundo precisa saber dessas manobras e parar de interpretar os fatos dessa forma totalmente equivocada. A verdade precisa ser vista!

(por Júlia Bárány, baseado em texto de Christine Louis de Canonville, original em: http://narcissisticbehavior.net/one-thing-that-makes-a-narcissist-happy/)